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Um Novo Olhar para a Justiça Restaurativa

A Justiça Restaurativa trata-se de uma proposta que reorienta o foco do sistema penal, deslocando a centralidade da punição para a reparação do dano, a responsabilização consciente do ofensor e a restauração das relações afetadas pelo crime. Este novo paradigma, embora não seja exatamente novo em essência, já que resgata práticas comunitárias ancestrais, representa uma ruptura conceitual importante com o modelo retributivo tradicional que ainda domina o imaginário penal brasileiro e internacional.

A Justiça Restaurativa se assenta sobre quatro pilares fundamentais: o encontro, a reparação, a reintegração e a transformação. Ela parte da premissa de que o crime não é apenas uma violação da lei, mas um rompimento de vínculos humanos e sociais. A resposta, portanto, deve envolver mais do que o Estado e suas sanções: deve incluir a vítima, o ofensor e a comunidade. A participação ativa desses sujeitos na construção de soluções permite não apenas a responsabilização do autor do delito, mas também a possibilidade de cura emocional para a vítima e a prevenção de novos conflitos. Embora historicamente mais presente em delitos de menor gravidade e nos sistemas juvenis, a justiça restaurativa tem demonstrado viabilidade e relevância em crimes mais complexos, inclusive em contextos de transição pós-conflito, como demonstrado pela experiência sul-africana com a Comissão da Verdade e Reconciliação.

Nesse contexto, a conciliação e a mediação ganham contornos ainda mais relevantes. Não se trata apenas de resolver conflitos, mas de transformar a maneira como lidamos com eles. Os métodos consensuais de solução de controvérsias, largamente utilizados no campo cível, têm sido incorporados, com êxito, em práticas penais que buscam mais do que sentenças: buscam sentido, reconexão e futuro. Os círculos de construção de paz e as conferências vítima-ofensor, por exemplo, aproximam-se das práticas de mediação por compartilharem a valorização do diálogo e da participação. Contudo, enquanto a mediação visa majoritariamente o acordo, a justiça restaurativa propõe também a responsabilização moral, emocional e social do ofensor, bem como o reconhecimento da dor da vítima.

No Brasil, a Lei nº 9.099/95 já representou um avanço importante ao prever mecanismos de conciliação e transação penal para crimes de menor potencial ofensivo. Essa legislação, embora ainda limitada em seu alcance restaurativo, abriu espaço para iniciativas inovadoras em diversas comarcas do país, onde projetos-piloto tem ampliado o uso de práticas restaurativas. Alguns tribunais, como os do Rio Grande do Sul e do Paraná, têm investido na formação de facilitadores e na criação de núcleos de justiça restaurativa, promovendo espaços de escuta ativa e de reconstrução de vínculos sociais. Ainda assim, os desafios são significativos. A cultura jurídica majoritária permanece apegada à lógica da punição exemplar, e a formação dos operadores do direito nem sempre contempla o desenvolvimento de competências necessárias para atuar em modelos dialógicos e horizontalizados.

Do ponto de vista internacional, experiências ricas e variadas mostram que a justiça restaurativa pode ser aplicada mesmo em situações de crimes graves e violações massivas de direitos humanos. O Tribunal Penal Internacional, embora ainda fortemente baseado em um modelo processual adversarial, tem adotado medidas que se aproximam dos princípios restaurativos, especialmente no que diz respeito à reparação das vítimas. Fundos de indenização e programas de apoio psicológico demonstram um reconhecimento, ainda que tímido, de que o sistema penal não pode ignorar a dor da vítima, nem tampouco sua capacidade de participar ativamente da construção da justiça. Além disso, diversas resoluções das Nações Unidas recomendam aos Estados-membros a incorporação de programas restaurativos como resposta ao crime, reconhecendo seus benefícios em termos de prevenção, reintegração e pacificação social.

A discussão sobre a justiça restaurativa também tem se ampliado para temas inovadores e ainda pouco explorados. Crimes Ambientais, por exemplo, poderiam ser tratados por meio de mediações comunitárias que envolvessem empresas, vítimas e o poder público, com vistas à reparação do meio ambiente e à conscientização coletiva. A aplicação de penas alternativas com base nos princípios restaurativos, como o cumprimento de obrigações reparadoras ou a participação em círculos restaurativos, poderia reduzir os índices de reincidência e oferecer respostas mais humanas e eficazes ao crime. Mesmo em presídios, onde o ambiente é hostil e marcado por ciclos de violência, os círculos de construção de paz vêm sendo utilizados como ferramentas de reintegração e responsabilização, oferecendo aos detentos a oportunidade de ressignificar suas trajetórias. Outra frente promissora é o enfrentamento dos crimes cibernéticos, onde a comunidade online pode ser envolvida no processo de responsabilização e educação dos ofensores, criando uma nova ética digital baseada no respeito e na reparação.

Diante de todas essas possibilidades, é fundamental que o Brasil continue avançando na institucionalização de práticas restaurativas, capacitando profissionais, revendo paradigmas punitivistas e valorizando a escuta ativa e a participação cidadã na resolução dos conflitos penais. A justiça restaurativa, longe de ser uma panaceia, é uma proposta transformadora que desafia o sistema penal a se repensar, a se aproximar das vítimas, a reconhecer a humanidade dos ofensores e a reconstruir os laços rompidos pelo crime. Em um mundo cada vez mais marcado pela polarização e pela fragmentação, ela oferece um caminho de empatia, de corresponsabilidade e de reconstrução coletiva. E talvez seja justamente esse novo olhar que o Direito Penal precisa para, enfim, fazer justiça.

Referências:

BRASIL. Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 27 set. 1995. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9099.htm. Acesso em: 24 abr. 2025.

CONJUR. Justiça restaurativa no Direito Penal: alternativa para resolução de conflitos. Consultor Jurídico, São Paulo, 2023. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2023-justica-restaurativa-direito-penal. Acesso em: 24 abr. 2025.

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ). Manual sobre Programas de Justiça Restaurativa. Brasília: CNJ, 2022. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/publicacoes/justica-restaurativa. Acesso em: 24 abr. 2025.

MINISTÉRIO PÚBLICO DO PARANÁ (MPPR). Justiça restaurativa: a importância da participação da vítima na pacificação dos conflitos. Curitiba: MPPR, 2022. Disponível em: https://www.mppr.mp.br. Acesso em: 24 abr. 2025.

REVISTA BRASILEIRA DE DIREITO PROCESSUAL PENAL. A vítima de crimes e o Tribunal Penal Internacional: um modelo irrefutável para o legislador interno. Belo Horizonte: RBDPP, v. 9, n. 2, p. 331-360, 2023.

SCIELO. Justiça restaurativa e mediação como forma de solução de conflitos. SciELO Brasil, 2023. Disponível em: https://www.scielo.br. Acesso em: 24 abr. 2025.

DIALNET. Justiça restaurativa e mediação como forma de solução de conflitos. 2022. Disponível em: https://dialnet.unirioja.es. Acesso em: 24 abr. 2025.


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