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O Tribunal do Júri e as Constituições Brasileiras

No Brasil, o Tribunal do Juri constitui, oficialmente, um dos pilares do Poder Judiciário desde a Constituição de 1824, época em que o Brasil ainda era uma colônia portuguesa. Contudo, seu funcionamento sofreu mutação ao longo das Constituições, mesmo que sua essência tenha permanecido a mesma. A Constituição de 1824 declara, em seu artigo 152, que “os Jurados pronunciam sobre o facto, e os Juizes applicam a Lei”, referindo-se ao pressuposto de que os jurados decidem sobre a matéria do fato, enquanto que ao juiz cabe, apenas, exteriorizar a decisão, imputando uma pena. Tal preceito é mantido na atual Constituição brasileira, assegurado pelo artigo 5º, inciso XXXVIII, alínea c, a qual garante a soberania dos vereditos.

Embora as normas processuais utilizadas hoje por este instituto garantam a participação dos jurados como os verdadeiros portadores do veredito, eles são responsáveis por apurar os fatos apenas durante o julgamento, diferentemente daqueles que foram jurados durante a o Brasil Colônia, que participaram de todo o processo, desde a decisão de aproveitamento da denúncia até a sentença. Além disso, enquanto o Tribunal do Juri é um instituto aplicado para julgar os crimes contra vida (de matéria penal), até 1823 ele foi utilizado para julgar delitos contra a liberdade de imprensa, tendo poderes tanto na esfera cível quanto na criminal.

É interessante ressaltar que a Constituição de 1946 foi o marco legislativo responsável por definir a utilização do Tribunal do Juri para julgar os crimes contra a vida, atribuição que persiste nos dias de hoje. A referida Constituição dizia:

Art 141 - A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, a segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:
§ 28 - É mantida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, contanto que seja sempre ímpar o número dos seus membros e garantido o sigilo das votações, a plenitude da defesa do réu e a soberania dos veredictos. Será obrigatoriamente da sua competência o julgamento dos crimes dolosos contra a vida

Novamente, é possível fazer a comparação de que as disposições previstas no parágrafo 28 transcenderam o tempo e as Constituições, podendo ser observados no já citado art. 5º da Constituição Federal de 1988:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XXXVIII - é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados: a) a plenitude de defesa; b) o sigilo das votações; c) a soberania dos veredictos; d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida;

Segundo o Código de Processo Criminal do Império de 1932, o Tribunal do Juri dividia-se, em seus primórdios, em primeiro e segundo conselhos de jurados, ou, respectivamente, “júri de acusação” e “júri de sentença”. O júri de acusação era constituído por 60 pessoas habilitadas e sorteadas pelo Presidente da Câmara Municipal para o cargo. Assim, sua função seria similar ao que hoje é conhecido como a fase do inquérito policial: o objetivo desse primeiro conselho era analisar se a acusação poderia proceder, ou não para um futuro julgamento. Em caso positivo, o júri de sentença, composto por 12 cidadãos, começava a exercer sua função, continuando o trabalho do primeiro conselho ao decidir a inocência ou a culpa do réu. Hoje, o Tribunal do Juri opera somente com um Conselho de Sentença, composto por 7 jurados, escolhidos entre 25 sorteados anteriormente da lista da comarca.

Nesse sentido, o Tribunal do Juri, no contexto em que foi criado, significava um suspiro democrático dentro de um ordenamento que apenas começava a ser sistematizado conforme competências e não sob influência de relações interpessoais, mesmo que ainda houvesse muitos passos a dar nesse sentido. Apesar de esse instituto não estar isento de críticas, as quais foram muitas, especialmente sob uma ótica similar a visão crítica que Platão tinha de democracia: a ideia de que são pessoas sem qualificação (ou ignorantes) tomando decisões que afetam o coletivo, sua importância para a legitimação do sistema jurídico é honrável.

Ao envolver cidadãos leigos no processo de decisão, o Tribunal do Júri fortalece a legitimidade do sistema de justiça e reflete a importância da soberania popular no Estado Democrático de Direito. É a representação física da participação direta da sociedade no processo de julgamento como uma das engrenagens que fazem o ordenamento jurídico funcionar. Algo que faz muito sentido, uma vez que é a própria sociedade a razão do Direito existir; nesse sentido, nada mais justo que também possa compor suas peças. 


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