Heróis e Vilões
- Wendy Oze
- 1 de jul.
- 2 min de leitura
Nos corredores silenciosos dos tribunais ou nas salas agitadas de escritórios jurídicos, o trabalho dos profissionais do Direito é, na vida real, mais metódico e menos glamouroso do que sugere a ficção. Ainda assim, a imagem do advogado destemido, do juiz quase divino e do promotor implacável continua povoando nosso imaginário coletivo, moldado por décadas de filmes, séries e best-sellers que dramatizam, romantizam ou deturpam a realidade da justiça.
Desde “Perry Mason”, o advogado que sempre desmascarava o verdadeiro culpado no fim de cada episódio, até “Atticus Finch”, de “O Sol é para Todos”, que encarnava o ideal de justiça em meio a um sistema racista, as narrativas jurídicas criaram verdadeiros mitos: o defensor brilhante e incorruptível, o juiz sábio como “Salomão” e o promotor obstinado em nome da ordem. Cada um deles, à sua maneira, contribuiu para uma visão idealizada, ou distorcida, do funcionamento da justiça.
Ao longo do tempo, no entanto, essa representação foi se tornando mais complexa. Chegaram os personagens ambíguos de “How to Get Away with Murder” e “Better Call Saul”, com seus dilemas éticos e escolhas moralmente questionáveis. A humanização dessas figuras trouxe à tona a verdade mais incômoda: operadores do direito são humanos, sujeitos a falhas, cansaço, pressões e contradições. A série “Suits” nos mostra advogados carismáticos lidando com questões legais e emocionais em igual medida. Mas ainda assim, a ficção frequentemente tropeça em estereótipos, o advogado de defesa é visto como cúmplice do crime, o promotor como justiceiro e o juiz como Deus ou um déspota.
Essas representações, embora instigantes, afetam profundamente a forma como o público enxerga o sistema judicial. Elas criam expectativas irreais sobre a atuação dos profissionais e sobre a própria ideia de justiça. Afinal, nos filmes, o julgamento é sempre o clímax, uma catarse moral e emocional. Já na vida real, o processo é técnico, muitas vezes lento e frustrante. Poucos discursos inflamados, muitas petições e prazos processuais.
Contudo, seria injusto demonizar a ficção. Ela também inspira vocações e oferece reflexões sobre o papel do direito em uma sociedade democrática. “Legalmente Loira” pode parecer apenas uma comédia, mas “Elle Woods”, com seu carisma e inteligência, quebra estereótipos e mostra que há espaço para inovação e autenticidade no mundo jurídico.
O que aprendemos ao analisar esses "heróis e vilões" da ficção é que o Direito é, antes de tudo, um campo de tensões humanas. A tela amplia os contrastes, mas a essência continua: advogados, promotores e juízes lidam com histórias reais, pessoas reais e decisões que moldam vidas. E se na ficção eles podem até salvar o dia em um ato final espetacular, na vida real, os verdadeiros heróis da justiça são aqueles que, longe das câmeras, garantem o devido processo legal, mesmo quando ninguém está assistindo.
Porque no fim das contas, justiça não é roteiro, é construção coletiva.
Comments