A Anistia é a mãe da Constituição de 1988 (Emenda Constitucional nº 26/1985)
- Alexandre Filho
- 10 de abr.
- 3 min de leitura
Atualizado: 13 de abr.
A transição democrática brasileira foi formalmente inaugurada pela Emenda Constitucional nº 26, de 27 de novembro de 1985. Seu texto, conciso e direto, é um marco institucional que abriu caminho à Assembleia Nacional Constituinte e, por consequência, à Constituição de 1988. Embora breve, a emenda é densa em significado: ela convocou um novo poder constituinte e, ao mesmo tempo, consolidou um dos gestos políticos mais simbólicos daquele processo — a anistia.
O artigo 1º da Emenda dispõe que os membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal reunir-se-iam, em sessão unicameral, no dia 1º de fevereiro de 1987, como Assembleia Nacional Constituinte “livre e soberana”. Não havia ali ruptura institucional, mas autorização para refundação: o poder que se dizia derivado conferia legitimidade ao poder que seria originário. A Constituição de 1967, ainda vigente, admitia sua superação.
O artigo 2º confiou ao Presidente do Supremo Tribunal Federal a missão de instalar a Constituinte e dirigir a sessão de eleição de seu presidente — sinal da busca por equilíbrio entre os Poderes e da tentativa de conferir neutralidade ao início dos trabalhos.
Contudo, é no artigo 4º que a Emenda Constitucional nº 26 se aproxima de um gesto fundante mais profundo. Ali se concede anistia a servidores públicos civis e militares punidos por “atos de exceção, institucionais ou complementares”. O §1º amplia o alcance: estende a anistia a autores de crimes políticos e conexos, dirigentes sindicais e estudantis, e servidores dispensados por motivação exclusivamente política. Estabelece-se também o marco temporal — de 2 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979 — que remete diretamente à Lei da Anistia de 1979, mas a consolida com nova roupagem constitucional.
Mais do que gesto de conciliação, o artigo 4º formalizou direitos: assegurou promoções funcionais, reconheceu pensões e permitiu, a critério da Administração Pública, o retorno ao serviço ativo. Era, nesse ponto, uma forma de reparação institucional — ainda que limitada — aos atingidos por perseguições políticas.
A anistia, portanto, não foi apenas uma concessão política anterior; foi reafirmada como fundamento jurídico do processo constituinte. A Emenda nº 26 inscreveu o perdão e a reintegração como condições materiais para o novo pacto constitucional. Se a Assembleia Constituinte foi livre e soberana, foi porque o Estado reconheceu, ainda que parcialmente, os abusos cometidos. E ao admitir esses erros, abriu espaço para um novo começo.
Por essa razão, pode-se dizer que a anistia é, sim, a mãe da Constituição de 1988. Não no sentido poético de uma origem sentimental, mas como elemento jurídico-constitucional que permitiu a travessia entre dois regimes. A Emenda Constitucional nº 26/1985 é o elo institucional entre a ordem autoritária e o processo democrático que, dois anos depois, culminaria na promulgação da Carta Cidadã. E nesse elo, a anistia ocupa papel central — não como esquecimento, mas como ato inaugural de uma nova ordem jurídica.
P.S.:
Se a anistia de 1985 foi um gesto de passagem, reconhecimento e refundação, não se pode dizer o mesmo das tentativas de anistiar os golpistas de 8 de janeiro. O que houve ali não foi resistência contra um regime autoritário, mas investida contra um Estado Democrático conquistado a duras penas.
É triste — profundamente triste — que, depois de tudo o que vivemos, se discuta novamente o perdão sem justiça, a reconciliação sem arrependimento, o esquecimento como pacto político.
A anistia que pavimentou 1988 nasceu da esperança de um país que queria reencontrar a democracia. Já essa, que agora se ensaia, brota da negação da própria democracia.
Por isso, sejamos firmes: não à anistia aos que atentaram contra a ordem constitucional.
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