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Repatriação de Memórias

A devolução de bens culturais a seus países de origem tem sido uma questão central no debate sobre justiça histórica e soberania cultural. Em setembro de 2024, o Museu Britânico anunciou a devolução do "Bronze de Benim" à Nigéria, um dos artefatos mais emblemáticos saqueados durante a pilhagem colonial britânica de 1897. Esse movimento reflete um avanço na luta global pela repatriação de artefatos históricos, promovendo a reescrita de narrativas históricas sob uma perspectiva descolonizadora.

O saque de artefatos culturais não foi apenas um meio de enriquecer coleções europeias, mas também um mecanismo estratégico para enfraquecer a identidade das nações colonizadas. Símbolos religiosos e políticos fundamentais foram retirados de seus contextos, desestruturando sociedades e comprometendo a continuidade de suas tradições. Museus europeus, ao longo do século XX, mantiveram essas peças como troféus de um passado colonial que legitimava a supremacia ocidental.

Paralelamente, outras formas de pilhagem cultural ocorreram, como o confisco de obras de arte pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial. Adolf Hitler ordenou a apreensão de milhares de pinturas modernistas, não apenas por sua estética condenada pelo regime, mas também como forma de financiamento da máquina de guerra nazista. A devolução dessas obras tem sido um processo complexo, frequentemente mediado por litígios internacionais, como no caso da famosa pintura "Retrato de Adele Bloch-Bauer I", de Gustav Klimt, restituída à família Bloch-Bauer décadas após sua expropriação.

O direito internacional tem evoluído para reconhecer a repatriação como um princípio essencial da justiça cultural. A Convenção da UNESCO de 1970 estabeleceu normas para coibir o tráfico ilícito de bens culturais e facilitar a devolução de itens saqueados. No entanto, desafios persistem, especialmente em relação à imunidade de jurisdição de Estados que detêm essas peças há séculos. Algumas nações, como os Estados Unidos, criaram legislações específicas, como o “Foreign Sovereign Immunities Act” (Lei de Imunidades Soberanas Estrangeiras), permitindo exceções para disputas sobre bens culturais roubados.

O Brasil também tem buscado fortalecer a proteção de seu patrimônio cultural. Recentemente, obras de artistas negros brasileiros que estavam no exterior foram repatriadas e agora estão expostas no Museu Nacional de Cultura Afro-Brasileira (Muncab), em Salvador. Esse resgate não apenas valoriza a contribuição de artistas marginalizados historicamente, mas também reafirma a importância da cultura afro-brasileira no contexto nacional.

Em um mundo onde a globalização frequentemente resulta na padronização cultural, a repatriação de artefatos históricos é uma forma de resistência. Permite que nações se reconectem com suas raízes, fortaleçam sua identidade e rompam com os legados de dominação colonial. A luta pela devolução de bens culturais não é apenas uma questão de justiça histórica, mas um direito fundamental à memória.



Referências: 

BRASIL. Decreto n.º 74.373, de 21 de agosto de 1974. Promulga a Convenção da UNESCO sobre os Meios de Proibição e Prevenção da Importação, Exportação e Transferência Ilícitas de Propriedade de Bens Culturais. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 1974.

FISCHER, K. Nazi-looted art and the road to restitution: legal and ethical dilemmas. International Journal of Cultural Property, v. 27, n. 1, p. 35-60, 2020.

GERSTENBLITH, P. The Public Interest in the Restitution of Cultural Objects. Chicago Journal of International Law, v. 12, n. 1, p. 197-244, 2011.

HICKS, D. The Brutish Museums: The Benin Bronzes, Colonial Violence and Cultural Restitution. London: Pluto Press, 2020.

UNESCO. Convention on the Means of Prohibiting and Preventing the Illicit Import, Export and Transfer of Ownership of Cultural Property. Paris, 1970. Disponível em: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000133367. Acesso em: 21 fev. 2025.

ZALESCHI, R.; ALMEIDA, M. L. Repatriação da Arte: A Devolução de Patrimônios e a Reescrita da História. Revista de Direito Cultural, v. 15, n. 2, p. 87-110, 2023.


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