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Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos

Neusa dos Santos Nascimento e Gisele Ana Ferreira foram vítimas de discriminação racial no ambiente de trabalho em 1998, um caso emblemático que escancarou a impunidade e a desigualdade enfrentadas pela população afrodescendente no Brasil. Em 29 de julho de 2021, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) levou o caso à Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), destacando a omissão do Brasil ao não garantir uma resposta judicial adequada para as vítimas. A demora no julgamento e a ausência de reparação evidenciaram a dificuldade de acesso à justiça para mulheres negras no país.

O caso das senhoras Nascimento e Ferreira teve início quando ambas foram barradas em um processo seletivo de emprego sob a justificativa de que as vagas já haviam sido preenchidas, apenas para descobrir posteriormente que uma mulher branca, uma amiga das duas, foi contratada no mesmo dia horas depois delas. O Ministério Público estadual denunciou o empregador por crime de racismo, mas não tomou providências na esfera cível. A decisão inicial da Justiça absolveu o acusado por falta de provas suficientes, levando o Ministério Público a recorrer, um processo que se estendeu por mais de quatro anos até a condenação do réu. Mesmo com a condenação pelo crime racial, houve reconhecimento inicial da prescrição da pena, erro que foi corrigido posteriormente.

No âmbito cível, o Ministério Público não propôs ação civil pública, e a tentativa de Neusa de ingressar com uma ação de reparação de danos foi frustrada por obstáculos processuais. A CIDH destacou que esses fatos refletem um cenário de discriminação estrutural e impunidade, reiterando a necessidade de medidas concretas para evitar a repetição de casos semelhantes. A Corte IDH determinou que o Brasil investigue os fatos, implemente políticas para evitar discriminação racial em contratações e promova a reparação integral das vítimas.

A CIDH identificou que o Brasil violou os direitos das vítimas às garantias judiciais e à proteção judicial, em relação ao direito à igualdade perante a lei e ao trabalho. O contexto de discriminação estrutural e a falta de mecanismos eficazes para coibir a desigualdade racial no ambiente profissional foram pontos centrais do relatório da Comissão. A recomendação ao Estado brasileiro incluiu medidas de reparação integral às vítimas, campanhas de conscientização contra a discriminação racial no trabalho e a adoção de marcos legislativos que exijam das empresas maior diligência nos processos de contratação.

O caso ganhou ainda mais relevância quando o Brasil, perante a Corte IDH, reconheceu a violação dos direitos das senhoras Ferreira e Nascimento, admitindo a demora no julgamento e as consequências desse atraso na busca por justiça. Com base nos artigos 8.1 e 25.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, que tratam do direito à duração razoável do processo e do acesso à justiça, o Estado formulou um pedido formal de desculpas, reconhecendo que a discriminação racial é "lamentável e inadmissível".

O governo brasileiro defendeu que o racismo é fruto de um processo histórico e destacou as medidas já implementadas para combatê-lo, como dispositivos na Constituição Federal, a adesão a tratados internacionais, políticas afirmativas como as cotas raciais e a evolução jurisprudencial no reconhecimento da discriminação. O advogado da União, Tonny Teixeira de Lima, enfatizou que o Estado tem plena consciência do desafio no combate ao racismo e que o Brasil tem trabalhado para institucionalizar essa luta. Jorge Messias, advogado-geral da União, reforçou que a admissão das violações demonstra o compromisso do país com os direitos humanos.

A Corte Interamericana de Direitos Humanos é um tribunal regional responsável por aplicar e interpretar a Convenção Americana, conhecida como Pacto de São José da Costa Rica. Além do caso das senhoras Nascimento e Ferreira, o Estado brasileiro já admitiu violações de direitos humanos em outros episódios, como no caso das comunidades quilombolas de Alcântara (MA), o que reforça a importância das instâncias internacionais na promoção da justiça.


Referências: 

AZEVEDO, Luis Felipe. Corte Interamericana de Direitos Humanos condena Brasil por caso emblemático de discriminação racial em processo seletivo. O Globo, Rio de Janeiro, 21 fev. 2025. Disponível em: https://oglobo.globo.com/brasil/noticia/2025/02/21/corte-interamericana-de-direitos-humanos-condena-brasil-por-caso-emblematico-de-discriminacao-racial-em-processo-seletivo-1-1-255420393. Acesso em: 24 fev. 2025.

AGU – Advocacia-Geral da União. Corte Interamericana de Direitos Humanos: Brasil reconhece demora para julgar acusação de discriminação racial. Publicado em: 29 jun. 2023. Disponível em: https://www.gov.br/agu/pt-br/comunicacao/noticias/corte-interamericana-de-direitos-humanos-brasil-reconhece-demora-para-julgar-acusacao-de-discriminacao-racial. Acesso em: 24 fev. 2025.

COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. A CIDH apresenta caso sobre o Brasil perante a Corte Interamericana. Washington, D.C.: CIDH, 16 ago. 2021. Disponível em: https://www.oas.org/pt/cidh/jsForm/?File=/pt/cidh/prensa/notas/2021/213.asp. Acesso em: 24 fev. 2025.

MOURA, Rafael O M. Caso Neusa dos Santos vs Brasil - Comissão Interamericana - direitos humanos - racismo - resumo. YouTube, 2025. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=tpxXGwa4ieU&list=WL&index=7&t=637s. Acesso em: 24 fev. 2025.

NICOLAU, Analice. Corte Interamericana de Direitos Humanos condena Brasil pela impunidade no caso de discriminação racial em processo seletivo. Jornal de Brasília, Brasília, 24 fev. 2025. Disponível em: https://jornaldebrasilia.com.br/blogs-e-colunas/analice-nicolau/corte-interamericana-de-direitos-humanos-condena-brasil-pela-impunidade-no-caso-de-discriminacao-racial-em-processo-seletivo/. Acesso em: 24 fev. 2025.


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