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A Dança Oculta dos Algoritmos

Nos bastidores reluzentes da internet, onde o deslizar de dedos dita o consumo e a viralização é medida em curtidas por segundo, uma engrenagem invisível dita o que vemos, consumimos e até acreditamos. Essa engrenagem atende pelo nome de algoritmo e seu poder vai muito além do entretenimento. Por trás da aparência inofensiva dos vídeos de dança, tutoriais de maquiagem ou receitas fitness, há uma complexa coreografia tecnológica que, impulsionada pela inteligência artificial, tem ampliado de forma silenciosa a publicidade enganosa praticada por influenciadores digitais.

Plataformas como Instagram, TikTok e YouTube utilizam algoritmos de recomendação para personalizar o conteúdo exibido a cada usuário. Essa personalização, que a princípio parece um avanço tecnológico voltado à experiência do consumidor, é na verdade uma construção de bolhas informacionais onde os conteúdos que mais provocam reação, mesmo que por meio de escândalo ou polêmica, ganham mais visibilidade. A lógica é simples e implacável: o que engaja, circula. E o que circula, vende. Dentro desse modelo, influenciadores são incentivados a criar conteúdos que provoquem reações, ainda que às custas da verdade. O resultado é uma vitrine digital repleta de promessas milagrosas: cápsulas para emagrecer dormindo, curas instantâneas, apostas infalíveis e "produtos naturais" sem qualquer respaldo científico.

É nesse terreno fértil que prosperam não só os grandes influenciadores, mas também uma legião de criadores de conteúdo menores, que atuam em nichos muitas vezes mais vulneráveis à desinformação. O algoritmo, nesse caso, age como cúmplice silencioso ao ampliar a "cauda longa" da publicidade enganosa, alcançando grupos específicos com discursos moldados para suas crenças, medos e desejos. A promessa de saúde, riqueza ou pertencimento social se torna ainda mais sedutora quando embalada em vídeos personalizados que parecem ter sido feitos sob medida.

Diante desse cenário, cabe questionar: a quem compete a responsabilidade? Ao influenciador, que divulga sem checar? À marca, que lucra com a mentira? Ou à plataforma, que projeta os algoritmos e lucra com o engajamento? No Brasil, o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990) já oferece algumas pistas. Seu artigo 37 define publicidade enganosa como aquela que contém informações falsas ou que, mesmo por omissão, induz o consumidor a erro. A jurisprudência, cada vez mais sensível à atuação de influenciadores, tem ampliado a aplicação do conceito ao conteúdo promovido por esses agentes. Ainda assim, o vácuo legal quanto à atividade de influência digital limita a atuação dos órgãos de controle e gera insegurança jurídica.

Outro dispositivo importante é o artigo 25, §1º do mesmo código, que prevê a responsabilidade solidária entre todos os integrantes da cadeia de fornecimento. Isso permite vislumbrar a responsabilização conjunta entre influenciador, marca e até mesmo plataforma, especialmente quando há indícios de negligência na checagem do conteúdo divulgado. No entanto, a aplicação dessa responsabilidade às plataformas esbarra em outro obstáculo: o Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014), cujos artigos 18 e 19 limitam a responsabilidade de provedores pela remoção de conteúdo apenas após ordem judicial. Tal modelo, criado para proteger a liberdade de expressão, hoje desafia o combate ágil à desinformação amplificada por algoritmos, especialmente quando essa desinformação veste o disfarce da publicidade.

As dificuldades não param aí. O funcionamento dos algoritmos é envolto em sigilo industrial e camadas de opacidade técnica que impedem sua fiscalização efetiva. Enquanto isso, o consumidor segue exposto a práticas comerciais desleais em ambientes onde a desinformação se espalha mais rápido do que a verdade. A ausência de mecanismos de auditoria algorítmica permite que as plataformas fujam à responsabilização, mesmo quando sua tecnologia potencializa a circulação de conteúdo enganoso.

Embora o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR) ofereça um código de ética e mecanismos de denúncia, inclusive com diretrizes específicas para influenciadores digitais, sua atuação é limitada pela ausência de poder legal. Ainda que suas decisões sirvam como balizas importantes para o Judiciário, a autorregulação não substitui a necessidade de uma legislação robusta que dialogue diretamente com a realidade digital contemporânea.

É evidente, portanto, que há lacunas profundas na legislação brasileira. Não há, até o momento, uma lei específica sobre a atividade dos influenciadores. Tampouco se delineia uma política clara para a regulação de algoritmos em ambiente digital. Projetos de lei tramitam no Congresso, mas enfrentam resistência sob o argumento da proteção à inovação e à liberdade de expressão. O desafio é construir um marco legal equilibrado, que coíba abusos sem sufocar o potencial criativo e econômico do ecossistema digital.

Ao mesmo tempo, é urgente investir em educação midiática. Os consumidores precisam compreender como os algoritmos influenciam o que vemos online. A alfabetização digital, especialmente em tempos de inteligência artificial, não é mais um luxo é uma ferramenta de defesa. É preciso empoderar os usuários para que identifiquem publicidade disfarçada, questionem promessas milagrosas e exijam maior responsabilidade dos agentes envolvidos na produção e veiculação de conteúdo digital.

A era digital exige uma nova arquitetura jurídica, uma que compreenda que a publicidade não está mais nas páginas de revistas ou nas pausas comerciais da televisão, mas se entrelaça, de forma sutil e muitas vezes enganosa, ao conteúdo que consumimos em nossas rotinas digitais. É hora de iluminar a dança oculta dos algoritmos e tirar a inteligência artificial do papel de espectadora isenta para colocá-la no centro da responsabilidade compartilhada.


Referências:

BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 12 set. 1990.

BRASIL. Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014. Marco Civil da Internet. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 24 abr. 2014.

CONAR – Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária. Guia de publicidade por influenciadores digitais. São Paulo: CONAR, 2021. Disponível em: https://www.conar.org.br. Acesso em: 24 abr. 2025.

GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2019.

SILVA, Marco Aurélio de Carvalho da. Direito digital: fundamentos e desafios contemporâneos. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2022.

TAVARES, André; ALMEIDA, Juliana. Algoritmos e Democracia: a urgência de um debate público sobre inteligência artificial. In: Revista Brasileira de Políticas Públicas, v. 12, n. 2, 2022.


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