Advogados na Coreia do Norte: Entre Leis e Ideologia
- Alexandre Filho
- 30 de jan.
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Atualizado: 13 de fev.
A Coreia do Norte, amplamente conhecida por sua opacidade, possui um sistema de categorias sociopolíticas que influencia diretamente todos os aspectos da vida de seus cidadãos, incluindo a prática da advocacia. O songbun, como é chamado esse sistema, foi instituído pelo Manual de Referência do Projeto de Registro de Residentes, emitido pelo Ministério da Segurança Pública, e classifica as pessoas em três grupos básicos: haeksim (núcleo), dongyo (hesitante) e choktae (hostil).
Cada categoria é descrita de forma simbólica através de frutas: tomates representam cidadãos fiéis e comprometidos com o partido; maçãs simbolizam os que devem se alinhar melhor aos ideais propostos; e uvas representam cidadãos resistentes ou contrários às ideias estabelecidas. A classificação individual baseia-se na linhagem familiar e nas ações pessoais, sendo que a posição inicial só pode piorar, muitas vezes sem culpa direta do indivíduo.
Descendentes de operários e camponeses da época da fundação do regime ocupam a posição mais alta, enquanto os filhos de ex-proprietários de terras, advogados ou médicos daquele período estão no nível mais baixo. Essa estratificação limita o acesso à educação, saúde, alimentação e direitos humanos básicos.
No âmbito jurídico, ser advogado na Coreia do Norte exige não apenas competência técnica, mas também lealdade ao partido. Em uma sociedade socialista centrada no partido, que é uma fonte central de muito poder — incluindo o jurídico —, as palavras dessa agremiação (que não funciona nos moldes dos partidos ocidentais) tem bastante relevância na pirâmide normativa norte-coreana, seguidas pelos Dez Princípios para o Estabelecimento de um Sistema Ideológico Monolítico, pelo estatuto do Partido dos Trabalhadores, pela Constituição socialista e, por fim, pelas leis ordinárias.
A lógica do partido único é garantir a unidade de pensamento e ação em torno de uma ideologia que represente, na visão do regime, os interesses do povo como um todo. Em vez de haver um sistema multipartidário que poderia gerar divisões ou conflitos de interesse, o partido único organiza e centraliza os debates, respeitando a ideologia socialista. Essa centralização busca evitar o que regimes socialistas consideram como "dispersão burguesa" ou "luta de classes infiltrada", típica de sistemas pluripartidários.
O Estatuto da Advocacia norte-coreano reflete essa realidade. De acordo com o artigo 2º, o advogado tem o dever de apoiar o sistema jurídico estatal, função diretamente subordinada aos interesses partidários. Além disso, os advogados enfrentam uma série de barreiras para entrar na profissão, como a necessidade de cinco anos de experiência jurídica antes de obter a qualificação formal (art. 20). A Ordem dos Advogados, por sua vez, controla desde a distribuição de casos até a definição e pagamento de honorários, podendo decidir que o advogado não receba nada pelo seu trabalho (arts. 25–27).
A advocacia, portanto, é indissociável da lealdade ao partido. Mais do que um profissional do Direito, o advogado norte-coreano é um agente político, cuja sobrevivência na profissão depende de reafirmações constantes de fidelidade ao regime.
Essa realidade lança luz sobre o papel crítico que a advocacia desempenha em qualquer sociedade. Regimes autoritários frequentemente atacam e desmantelam instituições autônomas, como a Ordem dos Advogados, para consolidar o controle estatal. Em democracias jovens ou em transição, o fortalecimento da advocacia e sua independência de interferências governamentais ou partidárias são essenciais para a preservação do Estado de Direito. No contexto de um sistema comunista, o advogado desempenha um papel dual: enquanto deve zelar pelos interesses de seu cliente, também precisa alinhar suas ações às diretrizes estabelecidas pelo partido central, o que reflete a interdependência entre o sistema jurídico e a ideologia predominante.
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