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A esfera política do Vaticano

  A morte do Papa Francisco representa uma grande perda, não apenas para a Igreja Católica, mas também para a geopolítica. A figura do Bispo de Roma, apesar de representar, a princípio, e, essencialmente, uma liderança religiosa, a extensão de sua influência também permite que este seja uma figura de grande importância no cenário da geopolítica mundial. 

Apesar de hodiernamente a maioria dos Estados Democráticos de Direito conceber a separação entre Estado e Igreja, esta última tem um papel fundamental no que tange a emergência do ordenamento jurídico europeu, que, por consequência da colonização, influenciou enormemente a ordem das demais civilizações. Em um cenário europeu em que as práticas religiosas eram fragmentadas e subordinadas ao poder imperial, bem como incapazes econômica, militar e politicamente, o Papa Gregório Matos VII redigiu dictatus papae, contendo 27 imposições da Igreja Católica ao Imperador, demonstrando sua competência e autoridade e denunciando a insatisfação para com a intervenção imperial nos assuntos religiosos. 

A segunda sentença deste documento legisla que “somente o Romano Pontífice pode ser chamado de universal de Direito”, feito com o objetivo de garantir a supremacia do Papa e do catolicismo. O resultado disso foi a Guerra das Investiduras, um conflito entre o papado e o Sacro Império Romano-Germânico que foi resolvido com um acordo que fazia a divisão entre a jurisdição religiosa e a jurídica, ou seja,  certos assuntos passaram a ser competência exclusiva da Igreja e outros, do Estado. Esse evento é o ponto de partida da cultura jurídica europeia, e um dos primeiros exemplos da força política do Papa: Gregório, líder de uma Igreja não consolidada, com seu discurso, angariou, nas elites, apoiadores o suficiente para entrar em embate direto contra Henrique IV, um Imperador com uma gama de vassalos a disposição do Império. 

Nesse sentido, mesmo que o Papa não tenha poder direto, da mesma forma que um líder político propriamente dito, por exemplo, suas convicções e a forma como utiliza sua posição privilegiada pode tanto mediar como agravar conflitos geopolíticos. As ações de Gregório VII mudaram permanentemente o curso da história e, com a evolução do tempo, permitiu não só a sistematização de um corpo de leis e criação de uma nova elite (os juristas, aqueles que passaram a compreender intimamente os textos e a hermenêutica jurídica), mas a distinção de entre as práticas religiosas e estatais. 

O Papa Francisco, em 2014, mediou o restabelecimento de relações diplomáticas entre Estados Unidos e Cuba. Na ocasião, Barack Obama fez um agradecimento especial ao Papa em seu discurso: “Obrigado. Especialmente ao papa Francisco”. Além disso, ele também se manifestou sobre questões como a Guerra da Ucrânia, no sentido de buscar a paz e a resolução do conflito. O Vaticano, então, atua nos bastidores, aproveitando de seu prestígio moral e religioso para mediar negociações e influenciar líderes políticos para propósitos que estejam em consonância com o do Pontífice. 

O mandato de Francisco foi marcado pela humildade, por uma Igreja ainda conservadora e tradicional, mas, ao mesmo tempo, mais aberta e acolhedora que as anteriores.  O cerne da preocupação com a eleição do próximo Bispo de Roma, ou seja, com o Conclave na quarta-feira (07/05/2025) é sobre qual serão as prioridades do pontífice eleito, tendo como base tanto sua atuação indireta na influência do cenário geopolítico quanto suas orientações para dentro da ordem religiosa. 

As instituições católicas são mantidas por tradições seguidas por séculos a fio e dificilmente serão mudadas com facilidade, mas a importância da figura do papa para contextos que transcendem a religião traz preocupações sobre a pessoa que exercerá o cargo. Suas convicções representarão, em uma sociedade pouco mobilizada por questões como direitos humanos e igualitários para minorias, uma maior abertura para temas ainda pouco explorados pela Igreja Católica e pelos Estados Nacionais ou a legitimação para um discurso ainda mais conservador e ofensivo. 

Dessa forma, a morte do Papa Francisco não encerra apenas um ciclo espiritual, mas também político e diplomático, cujas consequências se estendem além dos muros do Vaticano. Sua atuação demonstrou como o papado ainda exerce uma força simbólica e concreta sobre os rumos do mundo, especialmente em tempos de instabilidade e polarização. A escolha de seu sucessor não é apenas uma questão de sucessão eclesiástica, mas um evento de grande relevância internacional, tendo em vista que definirá se a Igreja continuará seu movimento de abertura e diálogo com o mundo moderno ou se retomará posturas mais rígidas e tradicionais — influenciando, direta ou indiretamente, a dinâmica entre fé, poder e política no século XXI.      



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