O que Lula viu na China — e o que a China viu no Brasil
- Alexandre Filho
- 29 de mai.
- 3 min de leitura
As viagens de Estado, às vezes, parecem enredos longos demais para o pouco que dizem no final. Mas de vez em quando, nelas se escondem sinais do mundo que nos escapa: acordos sem manchetes, protocolos que prometem mais do que entregam, e silêncios diplomáticos que dizem muito. A visita de Lula à China foi um pouco de tudo isso — e talvez por isso mereça atenção.
O documento divulgado após a missão oficial é, em essência, um espelho da ambição brasileira de fazer da China o novo fiador do desenvolvimento — ou, no mínimo, o novo provedor de recursos. Há mais de 100 projetos anunciados, num entusiasmo contido por cláusulas vagas, memorandos protocolares e promessas de etapas posteriores. Como quem joga para frente o futuro e diz, com elegância asiática: "depois vemos".
Mas há mais do que isso. Há sinais de movimento real. A abertura do mercado chinês para o etanol brasileiro e seus derivados — inclusive o SAF, combustível de aviação sustentável — aponta para a chance, ainda que incipiente, de uma cadeia produtiva global ancorada no Brasil. A Envision prometeu US$ 1 bilhão, a Raízen firmou memorando com a SAFPAC de Hong Kong, e pela primeira vez se fala com seriedade sobre produzir SAF em escala. É muito cedo, claro. Mas o setor de bioenergia já fala em US$ 20 bilhões em potencial.
Na mineração, os chineses, tradicionalmente prudentes, demonstraram disposição para correr mais riscos. A criação da Aliança de Investimento China-Brasil, voltada para PMEs no setor, indica uma mudança de perfil: Pequim quer estar mais dentro da cadeia, e não só no topo. Estão previstos fóruns, diálogos e até emissão de obrigações verdes — e aí o Brasil pode tanto avançar como tropeçar na própria burocracia.
Se a energia eólica ganhou um centro de pesquisa sino-brasileiro, e a biotecnologia se agitou com a criação do iBRID entre Eurofarma e Sinovac, outras áreas caminharam mais devagar. As ferrovias, por exemplo, ficaram para julho. A bioceânica, projeto que sempre reaparece quando falta infraestrutura, ainda não saiu do PowerPoint. As cláusulas do memorando são cuidadosas demais — sem garantias, sem compromissos financeiros automáticos. Os chineses, avisou-se, só entrarão onde houver “racionalidade econômica”. Ou seja, onde não precisem confiar cegamente no Estado brasileiro.
No plano simbólico, o que a viagem revela é que o Brasil olha para a China como um espelho de possibilidades — e talvez de desejos. Há uma estética na diplomacia entre Brasília e Pequim: uma tentativa de costurar futuro com tramas asiáticas, como se o destino pudesse ser reescrito por meio de memorandos, declarações de intenção e promessas de cúpula. Lula não esconde o jogo: quer mostrar que há alternativas ao Ocidente — e faz isso com sorrisos, dados e provocações calculadas (“desde quando EUA e UE investem aqui?”).
Mas há um custo. Aproximar-se da China exige mais do que acordos. Exige uma decisão estratégica — de longo prazo — sobre que tipo de mundo o Brasil quer construir. Um mundo onde a infraestrutura vem com cabos de fibra óptica e baterias de lítio, mas também com dependência tecnológica e rearranjos geopolíticos difíceis de reverter.
Em tempos de realismo diplomático, é compreensível buscar novos parceiros. O problema é quando os acordos se acumulam, mas o país permanece o mesmo — lento, desigual e com dificuldade de executar o que assina. A viagem à China pode ter sido um passo importante. Mas o futuro não está em Pequim. Está em saber o que o Brasil fará com o que ouviu por lá.
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